A palavra psora, do grego, significa prurido, coceira, sintoma frequente em pacientes que possuem doença cutânea. A psoríase caracteriza-se pelo aparecimento de lesões avermelhadas, escamosas, que acometem principalmente joelhos, cotovelos e couro cabeludo. Entretanto, estas lesões podem surgir em qualquer parte do corpo. A primeira descrição de psoríase foi feita no final do século 18, mas acredita-se que Galeno (129- 200 d.C.), médico e filósofo romano, já o havia feito anteriormente.
Enquanto a psoríase é uma doença de pele que afeta 2% da população no mundo todo, a artrite psoriásica (que une manifestações cutâneas e articulares) ocorre em cerca de 10% dos pacientes com psoríase. A artrite psoriásica ocorre em igual porcentagem em homens e mulheres, a maioria já na vida adulta. Geralmente o acometimento da pele precede ou acompanha o articular e suas gravidades não estão relacionadas. Raras vezes há manifestações nas juntas antes de haverem na pele. E quase 90% dos pacientes com psoríase nunca desenvolvem doença articular. Exceção importante faz-se aos pacientes psoriásicos que apresentam deformidades nas unhas. Estes têm tendência maior ao desenvolvimento de artrite psoriásica
A transmissão genética de psoríase já foi descrita há mais de 200 anos. Observe-se que esta do ença tem frequência aumentada em algumas famílias. Sua base genética é complexa e o padrão de herança não foi ainda completamente esclarecido.
Alguns dos genes envolvidos são únicos para psoríase, mas são frequentes na população, distribuídos em todo o mundo e em geral têm efeitos pequenos. Na maior parte dos casos, a doença é multifatorial, envolvendo a interação entre vários genes com desencadeantes ambientais (infecções, medicações, estímulos antigênicos, estresse físico e/ou emocional).
A psoríase desenvolve-se em aproximadamente 50% dos irmãos de pessoas com esta doença quando ambos os pais são afetados; em 16% quando somente um pai tem psoríase; e em 8%, quando nenhum dos pais é afetado.
Em relação à artrite psoriásica, o risco de ter a doença entre irmãos em relação ao risco na população geral é superior a 27, valor muito mais alto que o da psoríase, que está entre 4 e 11. A prevalência de psoríase é 19 vezes maior entre parentes de primeiro grau de pacientes com artrite psoriásica em relação à população em geral.
As estatísticas variam de países e de raça, porém acredita-se que entre 5% e 40% das pessoas que têm psoríase podem ter dor e inflamação das articulações.
Assim como na doença da pele, o acometimento articular atinge mais as pessoas da raça branca. Homens e mulheres são afetados igual mente e os países europeus, como Dinamarca, Suécia e Rússia, são os mais atingidos. É doença rara na África e entre os índios.
No Brasil não existe levantamento preciso, mas algumas pesquisas com populações regionais (Estado de São Paulo, por exemplo), constataram a presença em aproximadamente 15% a 20%.
A grande maioria das pessoas que têm artrite psoriásica apresenta a doença de pele antes das dores articulares, porém há alguns poucos casos em que se podem notar queixas de dores nas juntas antes da doença na pele.
Os fatores preditivos mais aceitos, que aumentam o risco de um paciente com psoríase cutânea desenvolver artrite, incluem a presença de lesões em unhas, envolvimento cutâneo mais extenso (quanto à área de pele afetada) e também história familial de artrite psoriásica.
Existem cinco formas de apresentação da artrite psoriásica:
1 – Forma oligoarticular (envolvimento de poucas articulações inflamadas) – Atinge menos que cinco juntas, particularmente grandes articulações, como joelhos, tornozelos e unhas, podendo envolver também pequenas articulações das mãos e pés. Esta é a forma de inicio mais comum.
2 – Forma poliarticular, ou seja, de muitas juntas inflamadas ao mesmo tempo; assemelha-se a outro tipo de reumatismo, chamado artrite reuma toide. Pode evoluir com deformidades articulares. Envolve mãos, pés, joelhos e tornozelos.
3 – Acometimento das articulações distais dos dedos das mãos (as que estão próximas às unhas, que frequentemente também estão acometidas).
4 – Forma mutilante, como o nome está dizendo, provoca grandes destruições nas juntas, principalmente mãos e pés.
5 – Envolvimento preferencial da coluna – é a forma mais rara, mas provoca dor constante na coluna vertebral, evoluindo com limitações físicas.
O envolvimento dos tecidos que estão em volta das articulações confere a esta doença um caráter especial, pois quando alguma articulação de um dedo, seja das mãos ou dos pés, é acometida junto com uma inflamação das estruturas que envolvem esta articulação, observamos um inchaço geral que chamamos de dactilite, que quer dizer uma inflamação de todo o dedo.
Outros locais, fora das juntas, que também podem se inflamar são os tendões, especificamente aonde eles se fixam aos ossos; chamamos estes locais de enteses, e a inflamação destes locais designamos de entesite. A descrição faz lembrar uma tendinite, mas, na verdade, é um pouco mais extensa que isto, pois envolve também a parte óssea onde o tendão está ancorado. As formas mais comuns de entesite são as do tendão de Aquiles, da fáscia plantar (sola do calcanhar) e dos ossos pélvicos.
Depressões, hemorragias debaixo da unha, espessamento da unha e até mesmo destruição completa da unha (onicólise) são lesões comuns nos pacientes com artrite psoriásica, estando associadas ao acometimento das articulações interfalangeanas distais (pequenas articulações dos dedos próximas às unhas).
O paciente com artrite psoriásica têm maior risco de apresentar hipertensão arterial, diabetes mellitus tipo 2, obesidade e distúrbios dos lipídios (colesterol e triglicerídeos). Todas estas alterações aumentam o risco de doenças cardíacas e vasculares (infarto e derrame).
O médico dermatologista e o reumatologista são os profissionais treinados adequadamente para a avaliação de pacientes que tenham doença cutânea e articular simultaneamente.
O diagnóstico da psoríase é principalmente clínico em face do tipo e da distribuição das lesões, além da história evolutiva da doença. A curetagem metódica de Brocq, que consiste no raspado das lesões com cureta, fornece dois importantes sinais clínicos: sinal da vela – a curetagem destaca escamas semelhantes às encontradas na raspagem de uma vela; e sinal do orvalho sanguíneo – após a retirada das escamas, encontra-se superfície vermelho-brilhante com pontos hemorrágicos.
O diagnóstico da artrite psoriásica também é clínico, uma vez que se trata de uma espondiloartrite, cujas características são fator reumatoide negativo, ausência de nódulos subcutâneos, acometimento de articulaçoes dos membros inferiores, ombros e pequenas articulações das mãos, além de tendinites, entesites e aumento difuso de alguns dedos, que aparecem na maioria das vezes após período variável de tempo do comprometimento cutâneo.
O hemograma pode mostrar anemia. Os exames de atividade inflamatória estão quase sempre elevados, mas de maneira discreta nos casos de comprometimento articular ou de grande envolvimento cutâneo. A glicemia pode encontrar-se elevada e o aumento das taxas de glicose ter algum grau de correlação com a doença. A dosagem de ácido úrico também pode estar aumentada e, em alguns casos, correlaciona-se com a extensão das lesões de pele, embora isto nem sempre seja possível de demonstrar. Colesterol e triglicerídeos correlacionam-se com aumento do ácido úrico e obesidade. Biópsias do fígado realizadas antes de qualquer tratamento sistêmico têm encontrado alterações hepáticas discretas.
Nos casos em que as manifestações clínicas suscitam dúvidas, pode-se lançar mão da biópsia com exame histopatológico (retirada de pequeno fragmento da lesão que é analisado no microscópio) que mostra alterações sugestivas de psoríase como aumento da camada mais superficial da pele (a epiderme) e aumento do número de células inflamatórias e de vasos sanguíneos na camada abaixo, a derme.
Quais são os instrumentos usados para o diagnóstico e avaliação de portadores de artrite psoriásica?
Nem toda inflamação articular em psoriásicos representa manifestação da artrite psoriásica. É pouco comum, mas não raro, vermos psoríase coexistindo no mesmo paciente com outra doença articular, como artrite reumatoide, osteoartrite, artrite gotosa e outras.
Primeiramente, não existe um exame diagnóstico específico para a artrite psoriásica. Como já dito anteriormente, o médico deverá somar os sinais clínicos-chave de envolvimento assimétrico de articulações, entesite, dactilite, envolvimento interfalangeano distal e proximal e inflamação no esqueleto axial, extra-articulares (lesões ungueais, irite, úlceras orais) com achados laboratoriais e radiográficos.
Com relação ao achados laboratoriais, geralmente ocorre aumento das provas inespecíficas de atividade inflamatória. Esses testes laboratoriais rastreiam a atividade da doença através do seu caráter inflamatório.
Entre as anormalidades radiográficas, a mais significativa é a coexistência entre erosão e neoformação óssea nas articulações distais. Outras alterações radiológicas incluem degeneração em falanges distais, periostite e neoformação óssea no sítio das entesites, destruição de articulações isoladas, lesões chamadas pencil-in-cup (“lápis na xícara”).
Em reumatologia, a avaliação clinica do paciente é o elemento mais importante para o médico no momento de decidir o tratamento. Alem da impressão clinica subjetiva, aquele “acho que está indo bem ou mal”, é importante ter medidas objetivas, numéricas (por exemplo, o número de juntas doloridas ou inchadas), para poder avaliar o grau de inflamação e acompanhar isso no tempo, para decidir se o tratamento está sendo eficaz ou não
Na artrite que acompanha a psoríase temos três formas principais: a inflamação das articulações (artrite); a inflamação das entradas de tendões e ligamentos nos ossos (entesite); e a inflamação da coluna vertebral (espondilite).
O reumatologista perguntará, portanto, se você tem sintomas de inflamação nas juntas como dor contínua, inchaço e rigidez na coluna, como dor à noite, e rigidez e dor nos tendões, como dor e inchaço atrás do calcanhar (tendão de Aquiles) e debaixo do calcanhar (fasciite plantar).
Em seguida, todas estas partes deverão ser examinadas, procurando dor local, inchaço e limitação do movimento (até medindo com uma fita métrica o quanto a coluna movimenta).
Pessoas que tenham parentes, mesmo distantes, com psoríase, devem evitar as situações que podem desencadear a doença como fumo, álcool, estresse emocional, traumas físicos e uso de medicações sabidamente implicadas com o início da doença, como aspirina, betabloqueadores e lítio.
Pacientes com história familial de psoríase, ou com “caspa” que não melhora com tratamento convencional, associadas ou não a dores nas juntas, devem ficar atentos para o surgimento de lesões de pele tipo “placa com vermelhidão e descamação”, que podem revelar o início da doença
Pacientes que apresentam a doença de pele e/ou das articulações devem manter acompanhamento regular com dermatologista ou reumatologista familiarizado com a doença.
Depois de alguns anos atendendo a casos de artrite psoriásica, percebemos que esta é uma pergunta que passa pela cabeça dos pacientes. É importante que se saiba que as causas de morte entre os pacientes com artrite psoriásica variam bastante, assim como na população em geral. Mas alguns estudos demonstraram um aumento na percentagem de mortes por algumas causas, entre elas, as cardiovasculares, seguidas pelas pulmonares e neoplásicas. Porém, muitas correlações entre a doença e os danos diretos a órgãos específicos ainda não estão completamente elucidadas. Por isto, devemos enfatizar que os pacientes devem ser estimulados a ter uma vida saudável, com alimentação correta, prática de exercícios, cuidados com os fatores psicológicos e acompanhamento por uma equipe de saúde multidisciplinar, voltada para o cuidado com o paciente em suas várias necessidades.
A artrite psoriásica sem tratamento pode evoluir para deformidades irreversíveis. A escolha do tratamento dependerá das estruturas acometidas em cada paciente. Deve-se avaliar a presença de acometimento articular axial (coluna vertebral) e periférico (articulações de braços e pernas), além da presença de dactilites, entesites e lesões nas unhas. O tratamento convencional é feito inicialmente pelo uso de anti-inflamatórios não-hormonais e drogas remissivas de doença (como o metotrexato, a sulfassalazina, a leflunomida e a ciclosporina). Nos casos em que não há melhora com ao tratamento convencional e nos casos moderados a graves, o uso dos agentes biológicos pode ser necessário. Atualmente, os agentes biológicos liberados para o uso no tratamento da artrite psoriásica são o infliximabe, o etanercepte, o adalimumabe e o golimumabe.
É esperado que todos os pacientes tenham a progressão do dano articular prevenida. Mas muitos precisam de tratamento cirúrgico para reposição de juntas. Aproximadamente 7% dos pacientes precisam de tratamento cirúrgico para correção de alguma articulação após 13 anos de doença. Essas correções incluem as articulações do quadril, do joelho e das pequenas juntas das mãos e pés, principalmente nas formas que costumam causar deformidades.
A) Quem tem artrite psoriásica deve fazer exercícios?
Sim. Os exercícios fazem parte do tratamento da doença e devem ser orientados e supervisionados por um profissional habilitado: fisioterapeuta, educador físico, terapeuta ocupacional, médico. Nunca devem produzir dor ou cansaço. E não devem causar esforço excessivo nas articulações.
B) Posso fazer exercícios mesmo com as juntas inchadas?
Sim. É importante movimentar a articulação, mesmo estando edemaciada, pois o repouso prolongado pode ser prejudicial. Movimentos leves são importantes para prevenir contraturas, manter a amplitude de movimento e reduzir a fraqueza muscular. Lembre-se: os exercícios não devem provocar dor.
C) Exercícios de força são benéficos?
Mais recentemente, alguns estudos têm mostrado redução da dor e melhora de função nas atividades da vida diária, em pacientes com doença inflamatória articular que realizam exercícios de fortalecimento com pesos livres, ou em máquinas de musculação. Mas lembre-se, pode ser necessária a supervisão de um profissional habilitado.
D) Devo usar frio ou calor nas juntas?
Mesmo tratando-se de uma inflamação articular, não existe um consenso a respeito da aplicação de calor ou frio. Alguns pacientes podem beneficiar-se do uso do gelo, outros do uso de banhos quentes, bolsas térmicas, etc. Esses tratamentos, se utilizados corretamente, não levam a piora do quadro.
E) Devo caminhar ou correr?
As doenças articulares são causas de limitação das atividades físicas. Essa inatividade resulta em fraqueza muscular, cansaço, depressão, aumento da dor, piora de sintomas cardiovasculares. Por isso, o recomendado é fazer exercício aeróbio de baixo impacto, como caminhadas, bicicleta ergométrica, hidroginástica e natação (caso esteja com a pele inflamada e descamando, consulte seu médico antes de entrar em uma piscina). Esses exercícios devem ser feitos três vezes por semana, durante 40 minutos.
F) O que deve ser feito caso haja dor ou cansaço durante o exercício?
Diminua a intensidade e a velocidade dos exercícios, faça menos repetições. Caso a dor ou o cansaço continuem, interrompa os exercícios e procure um profissional.
Fonte: Sociedade Brasileira de Reumatologia (https://www.reumatologia.org.br/doencas-reumaticas/artrite-psoriasica-2/)
Médico especializado no diagnóstico e tratamento de doenças
que afetam os ossos e as articulações, além de doenças
autoimunes sistêmicas, comumente referidas como doenças reumáticas.
CRM/RS 40041
Clínica Médica RQE 31023
Reumatologia RQE 34862